terça-feira, 4 de novembro de 2008

Sonho? Realidade?

Era incrível!
Sentia-se como se estivesse num filme, numa cena de uma história inventada por algum cientista maluco.
Parecia aquele filme, com aquele actor que ela sempre adorara... aquele que era realizador, o do "Braveheart"... o Mel Gibson!
Sim, era quase como ele, naquele filme em que ele conseguia ouvir o pensamento das pessoas com quem se cruzava.
Só que ela não ouvia os pensamentos, ela lia o que as pessoas realmente sentiam.
Sim, lia!
Os pensamentos das pessoas que a rodeavam pairavam por cima das cabeças delas, quais balões de banda-desenhada, como nos livros da Mafaldinha, ou do Cebolinha & Cascão, ou nos Patinhas da sua infância.
Devia estar a sonhar!!!
Beliscou-se até gritar de dor, para ter a certeza que estava acordada.
E no entanto... ali estava ela, sentada a um canto da sala, tranquilamente, como se estivesse a ler atentamente o livro que tinha nas mãos, mas na realidade seguindo a dicotomia entre o que ouvia as pessoas falarem, e o que os balões suspensos tinham escrito, sobre o que pensavam na realidade.
Um psicólogo analisaria as posturas corporais, as entoações, mas ela nem precisava disso, pois conseguia ler o que elas pensavam!!!
Prestou mais atenção ao que a rodeava, as conversas que decorriam nos diferentes grupinhos que sempre se formam nestas ocasiões, mas passado um pouco começou a sentir-se triste, até deprimida, por conseguir ler o que as pessoas realmente pensavam e por se aperceber da diferença entre o que diziam/faziam e o que lia nos seus balões.
Enquanto apenas ouvira as conversas e escutara as banalidades e observara os sorrisos, tinha tido a ilusão que todos estavam bem, que se tinham reunido para celebrar, para dar energia positiva, e que todas as pequenas "questiúnculas" eram coisas do passado.
Iludira-se com a ideia que há males que até vem por bem e estava feliz de ver que finalmente se tinham superado todas aquelas pequenas crises que acontecem nos pequenos núcleos em que estamos inseridos.
Mas agora, ao ler todos aqueles balões, que aparentemente só ela conseguia ver, pois todos estavam tão tranquilos e continuavam na sua conversa de circunstância, sentia-se triste.
Preferia não os ler, preferia poder ignorar o que diziam, nas suas letras, tão nitidas!
Ouvia alguém abrir a boca e rir, enquanto falava sobre um acontecimento recente, mas o balão por cima dizia o contrário do que lhe saia pela boca "Mas será que não me vão falar? Deve ser porque eu também não lhes ligo nenhuma. Devem achar que se não conseguem nada de mim também não vale a pena perder tempo a falar comigo".
Olhou para outro lado e observou um casal que conversava com outro grupo. Uma das mulheres sorria e acenava com a cabeça, mas o seu balão dizia "Que seca! E eu com tanta coisa para tratar! O que estou aqui a fazer? Será que pertenço aqui?". Mas continuava a sorrir, com um sorriso que se tornava cada vez mais forçado - ou seria ela que o ia assim por ter lido o balão que lhe pairava sobre a cabeça?
Tentou mudar a disposição que a começava a afectar e olhou para a sua família, aquela que sempre lhe dera ânimo e pela qual faria qualquer sacrifício.
Certamente que ali não encontraria diferenças entre o que se dizia e o que se sentia.
Mas até aqui os balões eram tão diferentes do que se observava...
Viu aquela mulher linda e forte que era a sua tia sorrir e brincar com a neta, enquanto o balão dela pingava/chovia com as lágrimas que ela tentava esconder de todos.
Leu no seu balão "Sorri, tens de ser forte. Ninguém pode perceber o que se passa e como estás".
Viu-a olhar para o marido, para o filho e leu no seu balão "É injusto pensar isto, com o amor e carinho que recebo deles, mas como eu gostava que ele aqui estivesse também!".
Olhou para a sua mãe, sorrindo, falando... mas com o balão a dizer "Quem me dera poder fazer mais. Quem me dera poder dar algum tipo de apoio. Quem me dera poder tirar este peso de cima dela, fazer algo para que não sofra sozinha. O que posso fazer para que ela fique bem!".
Mais adiante conseguia ver um balão, não percebia bem de quem (estava um pequeno grupo), mas conseguia ler perfeitamente "Mas porque é que ela não se arranja. Olha que roupa a daquela mulher. Eu teria vergonha de sair assim à rua. Olha aquele a um canto, nem fala com ninguém, é mesmo anti-social... deve achar que é melhor que os outros. E estas crianças todas, já não se dá educação? Fazem o que querem. Mas até são engraçadas!".
Levantou-se... chegava de ler balões!
Mas enquanto caminhava para a janela, para apanhar um pouco de ar, ainda apanhou com um balão, eventualmente que se tinha desprendido da cabeça de alguém... que dizia simplesmente "Será que isto não acontece por causa .... Tenho de perguntar, porque só pode ser.... Ah, mas eu vou saber, ah se vou!"
Sentiu-se muito cansada... porque será que lhe tinham dado aquele "poder"?
Ela não o queria, preferia manter-se na ignorância do que as pessoas realmente pensavam e ser feliz na sua ilusão de que tudo estava bem!!!
Queria poder fechar os olhos e não ler! Queria ignorar todos aqueles balões, aquelas frases, aquelas letras que se atravessavam em frente dos seus olhos.
Mas não conseguia parar de ler, não conseguia deixar de ver como era diferente o que via acontecer e o que lia em cada balão.
Preferia poder continuar a acreditar que o que diziam, o que faziam era sentido e não apenas actos de circunstância, simbolismos politicamente correctos.
Ela queria continuar a acreditar que os pensamentos acompanhava os gestos e palavras de quem os proferia.
Mas aqueles balões continuavam a persegui-la, a mostrar-lhe a ilusão em que tinha escolhido viver.
Nesse momento uma corrente de ar gelado entrou na sala e todos aqueles balões se desprenderam das cabeças das pessoas e voaram em direcção a ela.
Sentiu-se encurralada... tentou escapar, mas não conseguia. Não a deixavam avançar, bloqueando o caminho.
E o pior é que ninguém parecia dar por nada!!!
Tentou agarrar naqueles balões, naqueles pensamentos... tentou destruir tudo aquilo que lhe bloqueava o caminho, mas todos eles se escapavam por entre os dedos, misturando frases soltas e pensamentos diversos.
O pior é que quase nenhum daqueles balões podia ser considerado "positivo"...
Havia um que dizia "Porquê ela??? Porque não eu?? Não é justo!!! O que posso fazer? Com quem posso falar?", outro que dizia "Hoje tenho de ir tratar das plantas, ainda tenho de acabar um trabalho, não esquecer de dar de comer ao cão", aquele que dizia "Queria tanto que não fosse nada, que amanhã acordasse e tudo isto tivesse sido apenas um sonho mau!", ainda um que dizia "E eu a dizer que um raio não cai duas vezes no mesmo sítio!!! Como posso reunir todos para ajudar? Que dizer para mostrar que estou aqui para o que for preciso?". No meio de todos estes, havia os mais pequeninos, que deviam ser das crianças que corriam de um lado para o outro, onde se lia "Quero colo!" ou "Quero ir brincar com o João ao novo jogo da playstation que o pai me deu", "Quero pessego"....
Desistiu de os apanhar... ainda a considerariam louca se a vissem a gesticular pelo meio da casa, pois era óbvio que mais ninguém os via.
Sentou-se e fechou os olhos, assim não tinha de os ler, não precisava de se sentir inundada com aquelas frases e pensamentos soltos, tão difícieis, tão pesados na sua dor escondida ou nas suas questões egocêntricas.
Nisto sentiu que um braço a estava a abanr e ouviu uma voz que lhe dizia:
- Adormeceste? No meio deste barulho todo?
Era uma das suas primas.
Sem perceber muito bem onde estava, olhou primeiro para cima da cabeça dela e depois em volta.
Uffffaaaaaa!!!!
Tinha apenas sido um sonho mau. Um daqueles pesadelos de romance de cordel barato.
Tinha-se sentado um pouco no sofá e devia ter adormecido.
É o que dá não ter horários para dormir ou para acordar!!!
Mas não conseguia afastar aqueles balões que lera, não conseguia afastar aqueles pensamentos, expostos assim por cima da cabeça de pessoas que ela tão bem conhecia, e que tanto contrastavam com o que o exterior fisico deixava ver ou as suas palavras deixavam transparecer.
Será que estava rodeada de pessoas tão "pequeninas", tão viradas para si que não eram capazes de dizer o que realmente pensavam?
Será que era necessário viver naquele mundo de aparências, de ser, dizer, fazer o que era socialmente aceite, ou o que esperavam delas?
Não queria acreditar que todos aqueles sorrisos (ou ausência deles), não tivessem correspondência nos sentimentos de cada uma daquelas pessoas.
Ao longo do dia aquele sonho, aquela imagem não a largava, e decidiu prestar mais atenção às pessoas e ao que diziam e como diziam, pois sentia que havia uma razão de ser para aquele sonho, naquele momento.
E realmente, mesmo que não fosse generalizado, apercebeu-se que vivia numa familia "de aparências".
Todos aparentavam uma coisa... mas sentia-se que era só a camada exterior, a fachada.
Havia amor entre todos eles, isso era óbvio, senão nem estavam ali reunidos naquele momento, mas esse sentimento de amor estava isolado dos outros sentimentos, preso nas teias das pequenas tricas e questões mal resolvidas, estava espartilhado por sentimentos de "ódios" mal resolvidos, invejas não assumidas, tristezas escondidas, dores camufladas.
E, tal como já acontecera no seu sonho, voltou a sentir uma profunda tristeza!
Acreditara que numa situação de crise as pessoas esqueceriam as suas diferenças e desavenças e colocariam uma pedra no assunto, passando para uma nova etapa.
Acreditara que o amor familiar, maternal, fraternal, ...., era superior a qualquer questão de somenso importância!
Mas tal como no seu brusco acordar, que a tirara daquele pesadelo de balões de banda-desenhada cheios de penamentos ocultos, a realidade atingiu-a de chofre, quase a derrubando.
Ninguém ali se apercebia que a vida é demasiado curta para não dizer o que se pensa, para se ficar agarrado a mágoas durante anos!
Todos se agarravam a coisas do passado, próximo ou longíncuo, recusando-se a largar aquele "peso" extra para melhor e mais honestamente viverem o presente!
Todos aqueles balões do seu sonho, eram as divergências ocorridas no passado, com mais ou menos importância, mas a que as pessoas que a rodeavam insistiam em se agarrar, impedindo-as de ver a realidade, de apreciar a vida, de serem verdadeiramente solidários e unidos e, mais importante, impedindo-as de RECOMEÇAR!
Ninguém ali, exceptuando as crianças, com a sua doce inocência, conseguia ter consciência do peso que é carregar aqueles "balões" cheios de pensamentos negativos, intrigas, tricas, mágoas, tristezas, dores e sofrimento.
Juntou-se a um grupo e integrou-se na conversa, mas com a plena consciência que um dia alguém veria o peso do SEU balão, e leria nele a tristeza de perceber como temos tendência a deixar que as pequenas coisas do passado continuem a ganhar peso, transformando-se em gigantescas bolas de neve que nos arrastam com elas, em vez de as encararmos como os sacos de lastro de um balão, que devem ser cortados para nos permitir voar!
E sorriu e brincou com tudo e com todos, sentindo na alma a dor de saber que não podia chegar ao pé dos outros e abaná-los, espancá-los, gritar-lhes "Nada disso interessa!!! Passou!!! Interessa é o hoje e o que podemos fazer para ser unidos!!! Para nos ajudarmos e apoiarmos!!!"
E teve esperança que um dia, em qualquer altura, alguém conseguisse também ler os "balões" e percebesse que nada importa mais do que apoiar a familia e os entes amados, e ser apoiado por ela(es)!!!

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