quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Cozinhar

Se escrever é uma actividade que serve para estravazar as emoções acumuladas dentro da alma e do coração, cozinhar também o é, pelo menos para mim.
Desde muito nova que adoro cozinhar e a verdade é que nos últimos anos, devido aos múltiplos afazeres profissionais, me tinha tornado numa espécie de "solteirona" que comia comida de micro-ondas que bastava aquecer quando se chega a casa e nem é preciso pensar muito.
Mas os bons hábitos regressam e, apesar da dificuldade de cozinhar para um, a paixão pelos tachos e panelas, sempre presente no meu coração, parece querer regressar em força.
E como é bom cozinhar!!!
Como é relaxante e alivia a alma!!!
Assumo que não sei se me posso considerar uma boa cozinheira, pois apesar de nunca ter tido reclamações, (bem... excepto nos "falhanços") também experimento muito, quem sabe demais.
E não sei cozinhar pouco ou só uma coisa... gosto de cozinhar muitas coisas diferentes para um mesmo jantar, para que todos encontrem uma coisa que gostem e/ou possam experimentar sabores diferentes.
As pessoas "normais" cozinham para os amigos aquilo que sabem que vai sair bem, ou que sabem fazer bem... mas eu até nisso tinha de ser diferente, pois alem de não conseguir fazer o mesmo prato duas vezes... os jantares de amigos são sempre mais uma experiência culinária em que a minha criatividade (e o palato deles) é posta à prova.
E esta história de experimentar e inventar vem desde muito nova, não é nada recente.
Estava a meditar nisto e comecei a relembrar alguns dos meus memoráveis falhanços culinários, como a primeira vez que fiz sopa!!!
Ou que tentei fazer sopa... para ser mais correcta (devo aqui fazer uma ressalva indicando que eu NUNCA gostei de sopa, mas fazia parte do menu lá em casa).
Tinha pouco mais de 6 anos e a minha mãe estava na maternidade com a minha irmã mais nova.
Decidi que ia fazer sopa para o meu pai e irmão e como tinha visto a minha mãe fazer tantas vezes e "ajudava", não me parecia complicado...
Agarrei na panela de pressão (enorme), enchi de água, sal e azeite e coloquei ao lume com as couves enquanto ia acrescentando o resto.
Quando pus a cebola (ia fazer puré de legumes) tudo estava ainda muito bem, mas depois a água começou a ferver (eu era muito lenta... desvantagens da idade, nada de pensamentos tristes sobre isto), e fiquei com medo de colocar os ingredientes que faltavam, como as cenouras.
Mas como sempre fui muito "inteligente", coloquei-me do lado contrário à banca que dividia a cozinha ao meio e, cuidadosamente e com muita pontaria, fui atirando os bocados de cenoura para dentro da panela que estava no fogão.
Nem imaginam a cena.... a distância era de cerca de 2 a 3m de onde eu estava para o fogão... e a pontaria não era das melhores!!!
Quando finalmente acabei de ... atirar... todos os legumes para dentro da panela o chão estava alagado (a água da panela respingava para todo o lado cada vez que era "bombardeada" com um bocado de cenoura ou de outros vegetais), mas decidi fechá-la e esperar que cozessem.
Claro que me esqueci daquilo no fogão enquanto limpava o chão e ia para o quarto... e só quando senti cheiro a queimado é que fui ver a panela!
Para resumir, na minha primeira experiência culinária consegui queimar de tal maneira a panela que ficou sem fundo e a "sopa" foi toda para o lixo. Mas "consegui" disfarçar o falhanço escondendo cuidadosamente a panela atrás da máquina de lavar roupa... até a minha mãe precisar dela.
Nessa altura, não podendo mais esconder o facto (até porque ela acabou por descobrir a panela) acabei por lhe contar tudo, e ela em vez de me castigar não pode fazer mais nada senão desmanchar-se a rir!!
Depois disso passaram-se anos sem grandes contratempos culinários.
Devo admitir que sempre tive muito mais "mão" para salgados do que para doces, e isso viu-se no meu segundo grande falhanço, já com 20 anos, quando quis fazer o prato preferido do meu namorado - arroz doce.
Mais uma vez, devo reassaltar que arroz doce nunca foi dos meus doces preferidos, mas sendo o dele... lá fui eu toda "lampeira" fazer arroz doce para a primeira vez que o menino foi almoçar a casa.
Segui as instruções que a mamã ia dando... mas no final parecia-me que ela se tinha enganado e que estava demasiado leite para muito pouco arroz... vai daí e toca de lançar mais arroz lá para dentro e mais açucar para compensar...
Para resumir, quando vou toda contente buscar a travessa de arroz doce para levar para a mesa, onde todos esperavam, e vou meter a colher para servir.... a colher não entrava!!!
Tinha colocado tanto arroz e tanto açucar que só mesmo cortado à fatia e mesmo assim era preciso gostar de coisas bem consistentes!
A minha desilusão e tristeza não encontrou eco nas gargalhadas de todos!!!
Aprendi aí que se devem seguir as instruções das mães que fazem isso há anos, em vez de achar que está tudo mal.
O meu último grande falhanço foi novamente com um doce (claro...), já depois dos 30 anos, e foi quando decidi fazer pela primeira vez "cheesecake" e logo para um dos meus habituais jantares de sexta-feira (a minha desculpa para cozinhar para os amigos e para nos reunirmos).
Foi lindo... primeiro jantar com os colegas do trabalho, eu a querer impressionar com os meus "dotes" culinários e ... nem vos conto o que saiu... ou melhor, conto!
Como nunca tinha feito tal doce, tinha pedido a receita a uma amiga que faz doces maravilhosos e até estava a seguir a receita à letra (apesar de mais tarde ter percebido que se devia cortar bastante no açucar).
Até que chegou a parte de lhe adicionar folhas de gelatina.
Como nunca tinha colocado folhas de gelatina na comida, segui as instruções da embalagem (ia dizer pacote, mas a lingua portuguesa é muito traiçoeira...).
Aqueci a água e coloquei as folhas dentro para as molhar.
Aquilo ficou uma pasta toda mole... mas como dizia para molhar e juntar ao preparado, eu venci as minhas hesitações (de ver aquela "coisa"), molhei e atirei para dentro do recheio aquela mistela toda mole.
Achei um pouco esquisito ver aqueles altos e grumos da gelatina... mas era o que dizia, devia estar certo!
Aquilo ficou superliquido, mas assumi que no frigorifico ia solidificar... e tinha o dia todo para isso, pois o jantar era só à noite.
Já estão a ver o filme?
A gelatina estava em grumos, por isso não ajudou a que o recheio ficasse consistente... e quando levei o "cheesecake" para a mesa era... sopa!!!
Nada solidificou e, ainda por cima, estava estupida e enjoativamente doce!!!
O que vale é que o pessoal era bem disposto e ainda hoje nos rimos à conta daquela sopa de "cheesecake".
Mas, falhanços à parte, a verdade é que adoro cozinhar!!!
E adoro olhar para o que tenho à frente e misturar tudo, doces com salgados, diferentes ervas, sabores...
Tenho de assumir que as comidas acabam sempre por ter molhos, porque gosto de colocar tomate, vinho, cerveja, iogurte, natas, ervas, vegetais... enfim... tudo o que estiver ao alcance da mão ou do olho.
E se há a desvantagem de não conseguir fazer 2 pratos iguais, há a vantagem de cada refeição ser uma surpresa para o paladar e para os sentidos.
E com a calma e tranquilidade que me dá cozinhar (e o prazer), cada refeição se torna um momento de intimidade, de partilha!!
Anteontem uns bifes com cogumelos e molho de iogurte de cheesecake com cerveja, ontem foi um delicioso empadão com misturas árabes derivadas da união de caril com tomate e vinho do porto, hoje.... sabe-se lá o que vai sair daqueles armários.
Mas uma coisa sei... está na hora de deixar a facilidade e a engorda da comida congelada e voltar a sentir a intimidade de descascar os vegetais para fazer uma boa caldeirada, de cortar as batatas para um bom assado... sei lá... tanta coisa.
Por isso, se não sabem cozinhar, aprendam, experimentem.
Confiem nos vossos instintos e provem coisas novas e diferentes.
Saiam dos livros de receitas e inovem - vão ficar surpreeendidos com o prazer que esses pratos vos dão - e aos que vos rodeiam!

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